01/11/09

Adeus, de Eugénio de Andrade

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

4 comentários:

Luís André disse...

Confesso que não sou graaande apreciador de poemas, mas gosto de ler alguns. E gostei desse :D

Beijo *

Rui disse...

O meu poeta preferido. Adoro esse poema, não é o meu preferido dele mas, neste caso, faz todo o sentido que seja publicado por ti :)

Beijinho ****

Sandytah disse...

Adorei o poema, sou devoradora de poemas, desconhecia este!

Continua assim!

(poema forte mesmo!)

Beijinho

Jose Pina disse...

Muito Bom, Eugenio de Andrade é apenas e só uma das minhas referencias poetas .

Parabens